segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

CRÔNICA

Esta coluna reúne crônicas de Menalton Braff publicadas originalmente em seu site ou em revistas.

JARGÕES PROFISSIONAIS

Há muito não me via tanto tempo preso à frente da televisão vendo jogo de futebol. Imagino que haja uma boa razão para isso, mas que não preciso confessar aqui. Não me agrada muito ser “corneteado”. É assim que se diz?

A gente passa de um canal para outro e parece que não saiu do anterior. Os narradores futebolísticos devem ter feito o pacto da uniformidade. As questões de estilo, raras exceções, são periféricas: não afetam a estrutura da narração. Os poucos bordões existentes não fazem lá grande diferença. Mas o que mais me impressiona é o jargão. Interessantíssimo. Daria um dicionário de expressões futebolísticas, se é que alguém já não andou fazendo isso.

Não sei se você, meu leitor apaixonado pelo esporte dos ingleses, já observou: um locutor esportivo jamais diz que um jogador machucou-se. Se se pergunta a um jovem (e os jovens são as principais vítimas das precariedades linguísticas, justamente por serem jovens) o que significa “contundido”, ele, mesmo antes de piscar, já terá respondido que se trata de jogador de futebol machucado. Tal é a força do chavão, que dá um sentido específico à palavra. Ninguém mais se contunde: só jogador de futebol.  Outra expressão universalizada é “valorizar a posse da bola”. Um dia alguém de muito
prestígio no meio terá usado a expressão, que acabava de criar. Bastou. Hoje, não há mais narrador de futebol que, vendo a bola ficar naquele tico-tico irritante, esquerda, direita, esquerda, direita, sem sair disso, alega que os jogadores estão valorizando a posse da bola. Pode ser medo, covardia, falta de opção, criatividade embotada, pode ser qualquer coisa, eles vão sempre alegar que é certo tipo de valorização. E a expressão, que se iniciou como uma metáfora, meio pobre, vá lá, bem cedo transformou-se numa catacrese.  

E quando o comentarista (supostamente melhor conhecedor do futebol do que você e eu) afirma que o que está faltando é maior movimentação no ataque, quem tem ataque sou eu, que muito pouco entendo do assunto, mas que tenho um ataque de riso. Ora bolas.

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