segunda-feira, 16 de abril de 2018

CARTAS DO INTERIOR

Esta coluna reúne crônicas inéditas de Menalton Braff.
Variantes alofônicas

Mas também variações melódicas. E estamos falando do modo como nas várias regiões os falantes fazem uso da língua.

Quando cheguei ao interior, as pessoas me olhavam curiosas a ponto de me sentir constrangido, como se estivesse com a cara suja. Então, o Valdecir, que se tomou de amizade por mim, indagado, explicou que não era coisa de maldade, mas o estranhamento com meu modo de falar. Mas eu também estranho vocês, respondi. E meu novo amigo acrescentou que nada havia que estranhar em seu modo, pois ele e seus conterrâneos é que falavam certo.

E lá me vieram à memória as aulas de linguística: se todos comunicam é porque todos falam certo. Com as variedades que a língua admite.

A melodia das frases foi das primeiras diferenças que percebi, mas eu já sabia que assim como o gaúcho pensa que o catarinense canta para falar, o catarinense acha que quem canta é o gaúcho. O paulistano pensa a mesma coisa do paulista do interior. É pena que as variações melódicas não possam ser descritas por palavras, mas todos em São Paulo costumam imitar frases de, por exemplo, baianos.

Mas a variante alofônica que mais me chamou a atenção aqui no interior foi a articulação do /r/. O erre aguado do inglês, aquele de porta, com a língua parada e sua ponta voltada para o céu da boca, fazia as minhas delícias. Corguinho, com o /r/ quase um /i/, me divertia muito. O erre do inglês. Então me lembrei que na capital o mesmo erre era gutural, um som rasqueado, com a língua parada na horizontal. O erre francês, como em carroça. E no Sul, a mesma consoante é produto da ponta da língua vibrando no céu da boca.

Qual o certo?

O Valdecir acabou concordando que todos falam o português e que, apesar de alguns gramáticos insistirem em estabelecer a correta pronúncia da língua no Brasil,  não podemos esquecer que corretas são as variações. A língua não é fenômeno em que se ponha camisa de força.

Então lembrei a meu amigo o /t/ antes do /i/ no Paraná, uma pronúncia idêntica ao espanhol, diferente do /tchi/ que se pronuncia na maior parte do país, e o Valdecir agradeceu pela lição.

Então me lembrei do Manuel Bandeira:

“A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada”

(BANDEIRA, 1993:135)

E se você não concorda, vá discutir com o Bandeira, porque eu já estou tomando meu cafezinho na companhia do Valdecir.

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