terça-feira, 17 de abril de 2018

ORELHA

807 dias

Estes trinta contos que a Vanessa Maranha reuniu sob o título de "Oitocentos e sete dias", foram escritos com a já conhecida competência da autora para nos surpreender. O livro, dividido em duas partes, mantém o leitor numa incrível viagem pela vida de suas personagens, uma viagem que não é possível interromper.

Vai faltar o ar, muitas vezes, com a queda livre vertiginosa. Assim são seus contos: saltos no vazio, de onde a autora tenta resgatar o que nos resta de humanidade.

Nos dez contos da primeira parte, a autora explora aspectos grotescos do convívio humano, tendo como conto emblemático este formidável Castiços, em que uma família de brutos vê-se ligada aos senhores da terra. O final, nos moldes do realismo mágico ontológico, é inteiramente inesperado.

Do primeiro parágrafo do conto, extrai-se o fragmento abaixo:
Que o que vem de fora não presta. Que o chão bem plano é o melhor lugar para os pés, ainda que contrariados. Que não nos engraçássemos pelos chamamentos da casa senhorial; nosso merecimento, a colônia e os seus despojos. Que tatus éramos de origem, destinados ao rés do chão, depois à sua profundeza em cova e nada mais.

Mas tanto nestes como nos vinte contos da segunda parte, a impressão que nos fica é a de uma autora tecelã da linguagem, surpreendendo-nos em cada parágrafo com o insólito de suas combinações, com
a liberdade de suas escolhas no eixo paradigmático, e, principalmente, pela riqueza e propriedade de seu vocabulário.

Na segunda parte do livro, o que vemos é uma inflexão no plano do conteúdo que nos leva dos instintos mais baixos da parte inicial para um mundo doentiamente requintado de seres mergulhados em tédio e solidão. Neste passo, a comunicação interpessoal torna-se difícil, por vezes impossível.

Não há saída, estão todos presos a seu vazio, tentando desesperada e inutilmente encontrar um sentido para o que fazem. As relações são tênues, e a qualquer momento podem estilhaçar-se.
O mundo moderno, enredado em valores cada vez mais distantes da plenitude humana, raramente foi tão bem descrito.

Entre as características de estilo da autora, ressalte-se, por fim, sua aproximação com o surrealismo, em momentos de alta poesia.

A Vanessa é uma autora que chegou de repente para assumir um lugar de destaque entre os escritores brasileiros.

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