
A comunicação do professor Franco Júnior é uma versão reduzida do trabalho de mesmo título que será publicado no livro "Ficção brasileira no século XXI – terceiras leituras" (no prelo).
Publicamos, a seguir, o texto da comunicação:
XII Congresso
Internacional da ABRALIC
Internacionalização
do Regional
08 a 12 de
julho de 2013
Campina
Grande, PB
PREVISIBILIDADE DA RECEPÇÃO E MÁ FÉ
NO ROMANCE
BOLERO DE RAVEL, DE MENALTON BRAFF
Prof. Dr. Arnaldo Franco Junior[i]
Resumo:
No romance Bolero de Ravel (2010), Menalton Braff constrói um
anti-herói que problematiza o
funcionamento e a lógica do “mundo administrado” (ADORNO, 1985), que,
na
contemporaneidade, consolidou-se como realidade universal via
globalização do capitalismo.
Este anti-herói desafia valores que fundamentam a ética do trabalho e
o ideal de produtividade social característicos da Modernidade. O romance
aciona certa previsibilidade no plano da recepção para evidenciar para o leitor
o seu próprio grau de comprometimento com ideias e práticas vinculadas à
alienação, à violência e à subordinação à ordem administrada do mundo. Ao tomar
a recepção previsível como matéria narrada, o romance lê o leitor, premiando-o,
no caso de ele ser um leitor crítico, com mal-estar por defrontar-se com uma
sua inescapável má fé (SARTRE, 1973).
Palavras-chave: leitura, má fé,
Menalton Braff, previsibilidade, romance, vida administrada.
1 - Introdução
Bolero de Ravel, romance de Menalton Braff, dá relevo a um anti-herói
incômodo (um
fracassado, inútil, parasita), mobilizando a previsibilidade da
recepção calcada no senso comum para convertê-la em matéria da narrativa e
comentá-la[ii].Adriano da Silveira, o
anti-herói do romance é incapaz de participar da ordem produtiva na
condição de unidade (re)produtiva. Como não se aparta do convívio social, ocupa
a posição de parasita: mora com os pais, vive de uma mesada que a mãe lhe
dá,
suporta o mau humor do pai e as críticas da irmã. É escandaloso porque não
encontra defesa possível no senso comum pautado pelos valores da moralidade
média. Adriano faz da recusa um meio de vida: contrapõe-se à ordem produtiva
burguesa, e explora as sobras do trabalho alheio para construir sua frágil
resistência à ordem regida pelo trabalho. Esse anti-herói encarna um polo de
pura negatividade. Por isso, revela-se intolerável e, da perspectiva de uma crítica
radical aos fundamentos da ordem dominante, desconfortavelmente necessário. Por
meio dele e de sua história reafirmam-se duas funções da literatura:
a) dar voz aos que são socialmente silenciados porque estão à margem
da ordem produtiva e, por isso, não contam com o respaldo da moral dominante;
b) lançar questões incômodas que problematizam violências
ideologicamente naturalizadas. Adriano está à margem da ordem produtiva porque
se nega à ordem moral regida pelo trabalho. Isso, porém, ao custo de parasitar
os pais.
2 - Fábula rarefeita e
repetição
O romance a seguinte fábula: Adriano da Silveira perde os pais, que o
sustentavam e com quem ainda vivia, num acidente de caro. Laura, sua irmã, o
contacta para que providenciem, juntos, a venda da casa e a partilha dos bens.
Adriano resiste a perder a casa e mudar seu modo de vida. Laura lhe impõe uma
condição: a casa não será vendida caso ele seja capaz de mantê-la e de sustentar-se.
Ele tenta integrar-se ao trabalho e à vida administrada característicos do
mundo de Laura, mas fracassa. O fracasso de Adriano é acompanhado de uma progressiva
desagregação subjetiva na qual certas vivências são repetidamente rememoradas
por ele, marcando-se, a cada rememoração, pela ampliação dos elementos que as
constituem. Essas rememorações compreendem:
a) um contato, na infância, com a morte quando do velório de um
parente;
b) um encontro com um mendigo que o surpreende ao recusar dinheiro e
pedir-lhe atenção;
c) sua decisão, na adolescência, de parar de estudar;
d) uma conversa com o pai, que lhe exige explicação para o abandono
dos estudos;
e) sua iniciação sexual quase interrompida pela declaração de nunca
querer filhos;
f) sua incapacidade de atender a um pedido da irmã para que ele lhe
devolvesse a bola com que ela, na praia, brincava com o namorado.
Esta última vivência rememorada é a mais importante de todas, constituindo-se
num marco obsessivamente retomado e ampliado, a cada repetição, em seus
elementos constitutivos e em seu peso dramático.
A rarefação fabular põe em primeiro plano os pensamentos, sensações e
percepções de Adriano. A análise mental e o fluxo de consciência dão ênfase ao
mundo interior do anti-herói, ao seu modo de ver e sentir o mundo dos outros do
qual ele voluntariamente se apartou e no qual se recusou a ingressar até a
morte dos pais. É por meio desses recursos que o funcionamento e a desagregação
psíquicos de Adriano ganham corpo no romance: a fragmentação articulada à rememoração
gradativamente se intensifica e a rememoração obsessiva de uma mesma vivência a
transforma numa metonímia do drama do anti-herói.
Tal como na música de Ravel, a narração do romance baseia-se na
articulação do uso progressivo da repetição com o acirramento do conflito
dramático. O romance é estruturalmente semelhante à música. Nesta, temos:
a) repetição com diferença na retomada dos mesmos elementos (tema e
frases musicais);
b) manutenção do ritmo e do andamento com progressiva inclusão de instrumentos
que aumentam a intensidade dramática;
c) final abrupto que precipita o auge dos sons no silêncio.
No romance, temos:
1) repetição com diferença na retomada das mesmas frases e elementos narrativos
(vivências e suas cenas);
2) manutenção do ritmo, calcado na fragmentação e na repetição, com progressiva
inclusão de informações que adensam o conflito dramático;
3) final abrupto que precipita o auge do drama de Adriano num silêncio
que sugere um colapso nervoso, uma precipitação na loucura ou a morte.
A narração apresenta uma estrutura circular que evidencia o auto
aprisionamento de Adriano numa rede de relações da qual ele tenta, em vão,
escapar. Suas ações são impotentes para romper com a ordem que o submete,
articulando-se, em progressão espiralada, com um desespero que só pode cessar
com a morte. A derrocada social de Adriano já se indicia em sua primeira
recusa: a interrupção dos estudos. Suspensa por um tempo ao custo da relação
parasitária estabelecida com os pais, essa derrocada se precipitará sobre ele
como uma catástrofe a partir do acidente que os mata.
A partir daí, ele tem de se defrontar com Laura, irmã que é o seu
oposto, personificando a ordem produtiva da qual ele não conseguirá escapar, e
à qual nunca se integrou senão via abjeção moral.
Que no plano dos efeitos dramáticos o leitor, alinhando-se às razões
de Laura, tenda a barrar a
identificação catártica com Adriano e seu drama e que, no plano das
ideias, tenda a rejeitar os
valores que o anti-herói personifica, isso só faz revelar quanto de
violência está introjeção nesse leitor, quanto essa introjeção tornou-se necessária
à sobrevivência num mundo marcado pelo trabalho alienado, por uma ideia de
produtividade como valor imanente. Ao recusar-se aos imperativos da ordem
produtiva, ocupando contraditoriamente o lugar de beneficiário dessa mesma ordem,
Adriano avalia com ironia e certo afeto piedoso, a (auto) violência e a auto
alienação encarnadas por seu pai e por Laura e, também, projetadas no leitor
que com eles se identifica.
Não quis descer do caro, a Laura, com seu corpo ocupado e cheio de compromissos
para amanhã. O volante preso em mãos crispadas. Bem cedo, repetiu com sua única
fisionomia. A vida toda, os compromissos. Ela foi uma criança de viver muito,
seus dias organizados. Minha irmã não sabe viver sem estar envolvida, sem estar
enredada nas tramas de alguma rede. Ela nunca teve preferência por ter sua vida
solta dentro das horas. A Laura nunca se move pelo
prazer do movimento. Jamais a vi dançar sem um propósito prático. [.]
Minha irmã é dessas pessoas que julgam salvar-se na ação. Não tem outra
existência além da que lhe dá o movimento. Ela exerce com tirania o controle do
seu tempo, mas já não sabe mais por quê (BRAF, 2010, p. 07-09).
Continuação do pai, Laura é alguém que se construiu e se movimenta num
tempo regido pela
ordem produtiva. Ao contrário de Adriano, ela luta ferozmente para
conquistar lugares de prestígio social: filha dedicada que dá satisfação aos
pais correspondendo às suas expectativas, primeira aluna da escola, mulher que
dá continuidade à família tornando-se esposa e mãe, advogada de sucesso casada
com marido bem-sucedido nos negócios. É sobre ela que recairá com maior intensidade
a crítica de Adriano, que nela flagra certa vacuidade existencial e uma forte despersonalização
decorrentes de sua alienada integração ao status quo. O embate entre Adriano e
Laura, bem como a história narrada no romance, tem um intertexto
célebre: a fábula da cigarra e da formiga, de Esopo, imortalizada por
La Fontaine, que nela reforça a ética burguesa do trabalho. Menalton Braff,
entretanto, obriga-nos a ouvir a voz silenciada nas narrativas de Esopo e La
Fontaine. O romance parece responder às questões: “O que teria a cigarra a nos
dizer sobre a sua experiência? Como se constitui o seu modo de ver e de viver o
mundo?”.
Adriano ocuparia o lugar da cigarra de Bolero de Ravel, dado reforçado
pelo seu gosto por música. As experiências existenciais de Adriano e de Laura
exemplificam dois diferentes modos de lidar com a mesma ordem social e com o
tempo. Para Adriano, a recorrência de suas rememorações se dá como fruição do
presente. Já Laura age para projetar no futuro a reprodução da ordem em que vive.
O tempo aparentemente circular que rege a rememoração de Adriano é o elemento
de alteridade que constitui a sua subjetividade. Esta, que nunca projeta um
futuro, afirma-se como distinta da subjetividade de todas as demais
personagens, sobretudo a do pai e da irmã. Já o tempo linear que rege os
acontecimentos a partir da morte dos pais é, por contraste, o elemento que constitui
a subjetividade das outras personagens do romance, particularmente a de Laura,
e, por isso, caracteriza-se como tempo social em que o futuro é projetado como
reprodução da ordem socioeconômica e de seus valores.
Na atividade mental por meio da qual Adriano desempenha a função de
narrador do romance
destaca-se uma vivência obsessivamente rememorada que cumpre, na narração,
a função de
elemento que se amplia, iluminando todo o seu drama: Adriano está na
praia, acompanhado de Laura e seu namorado, que jogam frescobol. Na praia há um
cachorro amarelo que “brinca de morder gotas do mar que algumas crianças, com
as mãos, jogam para cima” (BRAF, 2010, p.
154). A certa altura, a bola com que Laura e o namorado brincavam rola
na direção de Adriano.
Laura pede que ele lhe devolva a bola, mas ele fica parado, incapaz de
se mover ou de responder à irmã, concentrado nas “nuvens [que] amontoam-se
sobre o mar, [.] escuras e agitadas” (BRAF, 2010, p. 153 – colchetes nossos),
no frio crescente que se apodera do seu corpo, na mãe que subitamente aparece
“por trás de uma duna muito alta. Subindo como se nascesse do oceano” (BRAF,
2010, p. 154), e que o agasalha com uma blusa e, por fim, num cachorro amarelo
que “salta erguido com as patas da frente subindo muito, com a boca dando
mordidas no ar” (BRAF, 2010, p. 154). Esta vivência ganha o valor de um marco
fundador porque ela sintetiza a incapacidade de Adriano em responder às
expectativas que sobre ele as demais personagens (e, também o leitor)
depositam. Ela é reiteradamente rememorada por Adriano, intensificando, a cada retomada,
a sua angústia. Ampliada a cada rememoração, ela torna indistintos os limites
entre o factual e o imaginário, o que foi realmente vivido e aquilo que, na
rememoração, ganha acréscimos da fantasia aproximando-se da alucinação (o
cachorro, no final, passa a abocanhar as nuvens e despedaça o sol com as unhas,
precipitando tudo na escuridão).
3 - Previsibilidade da leitura
e má fé do leitor
Em Bolero de Ravel não se trata apenas de lermos a história de um
perdedor cujos drama e fracasso são uma fatalidade previsível. Um dos efeitos
mais importantes do romance está em fazer o leitor participar da intriga
mediante uma identificação com Laura, a antagonista de Adriano. À previsibilidade
da derrocada do anti-herói corresponde, no plano dos efeitos dramáticos, uma participação
interessada do leitor, que, embora se disponha a acompanhar o drama do
protagonista, não se identifica com ele, mas, sim, com a moralidade média, a
ética burguesa do trabalho, a ordem social, enfim, das personagens e do mundo
com que o anti-herói rivaliza. Neste sentido, a previsibilidade do destino de
Adriano é, na recepção do romance, o elemento que força o reconhecimento do
lugar que, também previsivelmente, o leitor ocupa quando chamado a posicionar-se
em relação ao anti-herói e seu drama. A eficácia desse dispositivo se evidencia
na criação de uma expectativa deliberadamente frustrada: a de que Adriano
consiga vencer o desafio de integrar-se à ordem produtiva. Essa expectativa
implica o leitor, obrigando-o a reconhecer-se parte integrante do mundo
recusado por Adriano. A manifestação dessa expectativa frustrada se dá mediante
um conjunto automático de avaliações morais de Adriano, facilmente rotulável de
vagabundo, parasita, inútil. Ele não teria direito algum de queixar-se já que
nunca trabalhou, não se emancipou economicamente, não teria se tornado adulto
nem maduro de fato. É aí, precisamente, como determinismo, que se manifesta a
má fé do leitor. Segundo Sartre, a “má fé é, evidentemente, uma mentira, pois
dissimula a total liberdade do engajamento. [.] tem má fé [.] aquele que
declara que certos valores preexistem a si próprios; estarei em contradição
comigo [.] se, concomitantemente, quiser esses valores e afirmar que eles me
são impostos (SARTRE, 1987, p. 16).
Eis o modo pelo qual Bolero de Ravel toma como matéria narrada a
previsibilidade de leitura:
joga com a previsibilidade na recepção para, incluindo-a entre os
objetos que comenta criticamente, ler o leitor identificado com a perspectiva
da ordem social dominante. Se o leitor é lido pelo romance porque sua recepção
é integrada à matéria narrativa como dado previsível, ele ocupa a posição de
elemento participante do conflito dramático. Desse modo, torna-se objeto narrado
passível de observação crítica. É o que acontece com o posicionamento, na
recepção previsível, de uma leitura calcada na moralidade dominante. Neste
sentido, o leitor que é lido pelo romance se arisca a deixar de ser um leitor
crítico, identificando-se à leitura mais previsível e deixando de reagir criticamente.
Bolero de Ravel parece ambicionar um leitor capaz de suportar o mal-estar de defrontar-se
com as razões de ser de seu personagem protagonista e de reconhecer, em
Adriano, um polo de negatividade que não oferece nenhuma resposta apaziguadora
às questões que suscita com sua existência e sua inação.
É essa posição incômoda do leitor que lhe permitirá distanciar-se da
adesão às razões de Laura, mas não sem esforço. O romance joga com a previsibilidade
do destino funesto do anti-herói
para fazer com que o leitor reconheça que é ativo participante e
defensor da ordem que destruirá Adriano. Afinal, essa ordem só o podia tolerar
enquanto seus pais funcionavam como anteparo às punições que ele já poderia ter
recebido mais cedo em virtude de sua recusa em integrar-se ao mundo do trabalho
e à vida administrada. A derrocada do anti-herói só pode configurar-se como fatalidade,
mas fatalidade sem dimensão trágica, pois esta exigiria alguma identificação
com Adriano e essa possibilidade está barrada pela avaliação moral negativa que
dele, por automatismo acionado pelo romance, o leitor tende a fazer. Se não há
identificação catártica, barra-se a possibilidade de comoção que a tragédia e,
mesmo, o drama produzem. A identificação possível com Adriano é, pois, necessariamente
fruto de distanciamento e mal-estar.
Conclusão
A vivência obsessivamente rememorada por Adriano (incapacidade de
devolver a bola, que, na praia, Laura lhe pede) só se dará a ler com todos os
seus elementos no final do romance, funcionando como: a) metonímia do drama
existencial de Adriano; b) clímax da desagregação
psíquica do anti-herói; c) signo da derrocada final do anti-herói,
que, simultaneamente, afirma a sua existência
e prenuncia o seu fim – sugestão inscrita na imagem do cachorro que abocanha o
céu, destrói o sol e precipita a ambos “numa noite imensa. [em que] Apenas a
escuridão existe” (BRAF, 2010, p. 156 – colchetes nossos). Detenhamo-nos na
última dessas possibilidades.
Se barrarmos o julgamento moral e a rotulação psicológica de Adriano
como vetores de
leitura, temos de reconhecer, nessa vivência continuamente retomada,
um elemento que afirma em Adriano uma irredutível incapacidade de responder
àquilo que dele esperam o pai, a irmã, a ordem produtiva, a sociedade. Sua
paralisia ante os apelos da irmã para que lhe devolva a bola revela-se afirmação
de autoconhecimento e de um posicionamento desesperado diante das falácias com
que a ordem dominante aliena a vida. Não ser capaz de devolver a bola equivale,
aí, a não ser capaz de jogar o jogo proposto pela ordem social. Isso afirma
Adriano como polo de negatividade absoluta cuja potência questionadora se volta
para a ordem que ele, por existir à sua maneira, desafia. Ele não consegue
jogar o jogo da vida administrada. Isso constitui uma ação cuja potência questionadora
se afirma como valor em si. Sua recusa não afirma liberdade nem independência,
mas derrota. É no fracasso que ele se constitui como sujeito de si e de sua
história. Ele é um anti-herói cujo fracasso critica a inexorabilidade da ordem
à qual ele tenta se furtar. Seu fracasso o irmana a outras existências livres
que também são objeto de escândalo por situarem-se à margem da ordem produtiva:
os loucos, os mendigos, os velhos incapazes de trabalhar. Sua inação funda uma
pergunta
que não cessa de ser formulada: “Por que tem de ser assim?”.
A afirmação dessa pergunta como dado de valor imanente revela-a como necessária
num contexto em que a vida administrada prevê a oferta de dispositivos
previsíveis de leitura para barrar o questionamento de seus fundamentos e das
violências por ela naturalizada. A indignação diante da irredutível
negatividade crítica encarnada por Adriano é, portanto, o dado que revela a previsibilidade
dos modos de recepção a ela intrinsecamente vinculados. Só é possível
indignar-se com base em algum conjunto de valores, não importa se de natureza
moral ou não. Por isso, a reação que Adriano produz atingirá tanto o leitor que
é lido pelo romance quanto o leitor que, rejeitando ocupar o lugar de matéria narrada,
busca resistir à sedução das leituras previsíveis com que o romance o tenta.
Entretanto, isso se dará de modos distintos: no primeiro caso, como indignação
cujo efeito imediato é a culpabilização exclusiva do protagonista por seu
infortúnio; no segundo caso, como mal-estar que resulta de um desnorteamento
diante daquilo que, em Adriano, é irredutível a rotulações ou explicações, ultrapassando,
inclusive, a dimensão individual do protagonista. A possibilidade de construção
de uma leitura crítica demanda, necessariamente, o reconhecimento das leituras
previsíveis como matéria do romance. Bolero de Ravel, enfim, premia o leitor
crítico com o mal-estar de ter de se haver com a pergunta sem resposta,
encarnada intoleravelmente por Adriano.
Referências bibliográficas
ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Sobre a nova edição alemã. In: ___.
Dialética do
Esclarecimento. Trad.: Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro:
Zahar, 1985, p. 09-10.
BRAF, M. Bolero de Ravel. São Paulo: Global, 2010.
SARTRE, J-P. O existencialismo é um humanismo. 3 ed. Trad. Rita Coreia
Guedes. São Paulo:
Nova Cultural, 1987.
[i]
Arnaldo FRANCO JUNIOR, Prof.
Dr.
Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), campus de São José do Rio Preto
Departamento de
Estudos Linguísticos e Literários
E-mail:
afjr@ibilce.unesp.br
[ii] Uma
versão expandida deste trabalho faz parte do livro Ficção brasileira no século
XXI – terceiras leituras (no prelo).
Nenhum comentário:
Postar um comentário
http://twitter.com/Menalton_Braff
http://menalton.com.br
http://www.facebook.com/menalton.braff
http://www.facebook.com/menalton.braff.escritor
http://www.facebook.com/menalton.para.crianças